Uma conversa sobre questões históricas, políticas, econômicas e teóricas relacionados com a ascensão da China no sistema internacional
Entre os dias 12 e 15 de março, a cidade do Rio de Janeiro recebeu o Professor Li Xing (李形), da Universidade de Aalborg (Dinamarca). Com formação em Economia Política Internacional (EPI), o Prof. Li é Doutor em Desenvolvimento e Relações Internacionais (RI) e Diretor do Centro homônimo de Pesquisa de sua universidade, além de Editor-Chefe do periódico 中国与国际关系学刊 Journal of China and International Relations (JCIR). O perspectiveSOUTH teve a oportunidade de acompanhar a sua visita, além de entrevistá-lo sobre tópicos de interesse para pesquisadores brasileiros dedicados aos estudos chineses.
As palestras apresentaram as complexidades múltiplas das posições chinesas na economia mundial, e suas implicações para o Sul Global – incluindo o Brasil e a América Latina. Além disso, ele reforçou a conceituação teórica da ascensão de potências emergentes sob a perspectiva de diferentes escolas das Relações Internacionais.
Da esquerda para direita: Bruno Carvalho (Escola de Guerra Naval), Javier Vadell (Puc-Minas), Li Xing (Aalborg University) e Rita Feodrippe (Escola de Guerra Naval e Perspective South)
Desmistificando a China
Discussões sobre democracia estiveram sempre presentes, pois o Professor demonstrou uma necessidade de desmistificar princípios próprios do regime chinês. Inspirado pela repetição da teoria de “ameaça chinesa”, ele fez questão de esclarecer os entendimentos lógicos diferenciados entre a China e a democracia liberal ocidental. A riqueza do debate com a platéia brasileira esteve em problematizar a noção democrática no Brasil – cuja história em muito se diferencia daquela tratada por Li na análise de Estados Unidos e Europa.
O acadêmico também ressaltou a importância de se delinear claramente a visão de mundo e a escolha de marco teórico sobre a qual se constrói a perspectiva de análise. Li relembrou as principais premissas das teorias utilizadas pela disciplina e marcando a sua escolha pela EPI e o sistema mundo de Immanuel Wallerstein. Ele lembrou o público sobre a importância dos pensadores latino-americanos no desenvolvimento de uma teoria própria – da dependência – para pensar o lugar de seus países no mundo que se conformou durante a Guerra Fria.
Desafios da Nova Ordem Mundial
Para falar dos desafios enfrentados pela China na nova ordem mundial que surge, Li defende a teoria da hegemonia interdependente, segundo a qual o Estado chinês se torna um hegemon para a periferia do sistema-mundo, enquanto defende sua condição de contra hegemon frente às potências centrais. No escopo da discussão, e em relação a um tópico que ganhou a voz dos brasileiros, Li interpôs democracia e desenvolvimento – apresentando-os como um dilema de difícil solução, que na China foi resolvido pela escolha da via autoritária. Nesse sentido, a contribuição de outros professores presentes (como o Prof. Javier Vadell, da PUC-Minas, e da Profa. Flavia Guerra, do IRID/UFRJ) foi a de propor a dimensão social – associada com direito das minorias e lutas identitárias.
Novas perspectivas de pesquisa?
Nesse sentido, Li ressaltou que os pesquisadores chineses precisam alargar sua compreensão acerca da cultura brasileira. A heterogeneidade racial do Brasil, em conjunto com a dinâmica da sociedade civil que enriquece nossos processos políticos, são elementos ricos, que precisam ultrapassar a tradição estado-cêntrica cultivada pelas ciências humanas na academia chinesa. Por outro lado, os temas sobre o desenvolvimento da tecnologia na China podem interessar os brasileiros, assim como o dilema das mudanças propostas por Pequim a um sistema em que o próprio Estado chinês floresceu.
Dessa forma, ter a chance de conversar com o Prof. Li Xing permitiu entender melhor a visão de um acadêmico chinês radicado na Europa. Li mostrou-se muito interessado em saber o que os brasileiros estão pesquisando, e como eles entendem os desafios enfrentados pela China. Ele ressaltou a importância de participarmos das redes de estudo sobre China latinas e europeias (fora do eixo Estados Unidos e Inglaterra), além de viajarmos para as universidades chinesas e fazermos pesquisas in loco. Pôs-se à disposição para retornar ao Brasil e falar aos pós-graduandos que pesquisam seu país natal, pois entende que ainda é necessário desfazer muitos mitos e confusões sobre o misterioso reino do meio.
Nota institucional: a visita do Prof. Li Xing fez parte da participação do Professor no Seminário Internacional sobre o Trabalho das Linhas “Estética, Política e Direito”, realizado conjuntamente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a Escola de Guerra Naval (EGN) e a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). A presença de Li só foi possível devido ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Os eventos dos quais participamos foram organizados em formato de workshop, ou seja, enfatizaram o tempo de debate e a participação dos discentes dos respectivos programas de pós-graduação das instituições militares – no caso da EGN, o de estudos marítimos, e no da ECEME, de ciências militares.
Referências para saber mais:
- Conceitualizando o nexo da ‘hegemonia interdependente’ entre as ordens mundiais existentes e emergentes. In: Marcos Costa Lima. (Org.). Sobre a China. 1ed.Recife: Editora UFPE, 2018, v. 1.
- Li, Xing (2019) The International Political Economy of the BRICS. London: Routledge.
- Li, Xing (2018) Mapping China’s One Belt One Road” Initiative. London: Palgrave Macmillan.
- Li, Xing (ed.) (2014) The Rise of the BRICS and Beyond: The Political Economy of the Emergence of a New World Order? Farnham, UK: Ashgate Publisher.
- Li, Xing (ed.) (2010) The Rise of China and the Capitalist World Order. Surrey, UK: Ashgate Publisher.
南方视角 - perspectiveSOUTH 